Before the Flood – Review

13-10-2015 15:46

Brilhante. Já está, é tudo o que precisam de saber sobre o episódio. Moffat e companhia estão-me a surpreender pela positiva, a apresentarem, pela quarta semana consecutiva, um óptimo episódio. Não há expectativas defraudadas, nem momentos completamente idiotas ou fáceis, acabaram-se os deus ex machina óbvios e simplistas… Esta temporada está a ser Doctor Who no seu melhor!

Eu atribuo grande parte dessa qualidade e desse sucesso ao formato: os two-parters são perfeitos para esta era moderna de da série, da mesma forma que os multi-parters eram perfeitos para a série clássica. Foi uma decisão arriscada, mas que até agora está a compensar, e de que maneira!

Outra coisa que muito tem contribuído são os novos níveis de temas pesados e emocionalmente intensos. Esta temporada está a ser, de longe, a mais verdadeiramente negra em muito tempo. O tom faz-me lembrar a primeira temporada, em 2005, com Christopher Eccleston capaz de mostrar o lado mais negro desta personagem.

Também é possível ver semelhanças com a fase final de David Tennant no papel – este Twelfth Doctor consegue ser assustadoramente parecido com a faceta de Time Lord Victorious nascida em The Waters of Mars. E isso vê-se muito claramente neste episódio, mas já lá vou.

Primeiro é preciso fazer notar que as cenas pré-créditos se estão a tornar numa arte por si só. Pequenos teasers daquilo que aí vem, especialmente esta temporada têm sido capazes de cativar, explicar muita coisa e deixar muita coisa em aberto, duma forma que raramente se viu a série a fazer, anteriormente. A deste episódio não é excepção, graças a um momento muito meta-ficcional do Doctor a olhar directamente para a câmara e a explicar o que é um bootstrap paradox, um conceito que se revela fundamental para esta história. E para terminar em grande, mais um bocadinho de rockalhada vinda directamente dos dedos de Capaldi, a servir de introdução perfeita para o tema do genérico mais arrockalhado de que me lembro.

Depois disso o episódio segue directamente para a acção, como seria de esperar na segunda metade de uma história. E é aqui que tudo fica ainda melhor. O ritmo não é frenético, mas é irrequieto, e portanto foi possível integrar neste episódio uma história a avançar a um ritmo razoável e com conclusões satisfatórias, e ao mesmo tempo grandes momentos de desenvolvimento das personagens.

Ainda por cima o grupo está dividido em dois, com Clara presa na base aquática com Cass e Lunn, e o Doctor na mesma zona, alguns séculos antes, juntamente com O'Donnel e Bennet. São conjuntos que funcionam bem, e ambos dão azo a grandes momentos durante o episódio.

O primeiro é graças ao Doctor e à personalidade desta encarnação. É que depois de Cass se aperceber de que o fantasma do Doctor (aparecido no final do episódio anterior) está a dizer algo diferente dos outros, o Doctor fica a saber que o seu fantasma apareceu e que diz algo diferente. Quando percebe que vai ter de morrer e ouve aquilo que o seu fantasma diz, começa a formar-se um plano, principalmente nascido do desespero de saber que Clara ia morrer.

O grande momento vem daí. O Doctor tenta dizer a O'Donnel (uma fã que fica extremamente excitada por descobrir que a Tardis é realmente bigger on the inside) para ficar na Tardis caso a Clara diga alguma coisa, mas ela insiste em ir. E morre às mãos do Fisher King, o literalmente grande vilão de quem já falo a seguir. Qual é o momento espectacular? É quando Bennet se apercebe que o Doctor sabia que O'Donnel ia morrer, e que não insistou com ela para ficar na Tardis porque precisava de testar a sua teoria.

É um momento subtil, contrariamente ao que aconteceu na temporada anterior, em que a nova personalidade do Doctor nos foi martelada no cérebro de forma óbvia e explícita, mas foi uma excelente forma de mostrar que este Doctor é bem mais implacável que as encarnações anteriores, e que não vai hesitar muito em sacrificar quem quer que seja para salvar quem lhe interessa.

Um aspecto interessante do Twelfth Doctor, que o afasta muito claramente das encarnações anteriores, especialmente da mentalidade vamos-salvar-toda-a-gente do Eleventh Doctor, mas que não é representada de forma a que pareça errada e despropositada. Pelo menos não nesta história.

O outro grande momento é protagonizado por Cass, e é quando ela, sozinha – não esquecer que é surda – é perseguida por um dos fantasmas, pronto para a matar com um machado que vai o tempo todo a raspar no chão e a fazer uma chinfrineira dos diabos… Que ela não pode ouvir. É uma sequência muito bem feita e que termina com Cass a baixar-se e a sentir as vibrações no chão, evitando assim a sua morte.

Para falar do enredo propriamente dito ia ter que dar demasiados spoilers, mas fica a nota de que é satisfatório, embora a lógica do plano do Fisher King seja sempre um pouco estranha. Se bem que isso não interessa, pois ele é um monstro que vale pela sua qualidade de monstro, enorme, com uma voz tremenda e uma presença que até intimida o Doctor. Infelizmente nunca é realmente uma ameaça muito série, embora mate alguém. Mas nem me importei, porque o tempo que podia ter sido dedicado ao seu plano maléfico, ou a explorar o paradoxo de forma mais timey-wimey e moffatiana, foi usado para desenvolver as personagens em todas as vertentes possíveis, não só expandindo mas melhorando o que já tinha sido feito no episódio anterior.

Em suma, Before the Flood é um excelente episódio, e uma conclusão para a história começada em Under the Lake que se arrisca a entrar na categoria dos clássicos da série. E é também um episódio que me deixa definitivamente confiante nesta temporada, e nas decisões de Steven Moffat, que está a ter uma qualidade e uma consistência muito acima da média.

Artigo da autoria de Rui Bastos, membro da equipa Whoniverso