Monstros Únicos

20-10-2014 18:31

É complicado falar de monstros em Doctor Who. A série já conta com mais de cinquenta anos de história e mais de oitocentos episódios. Oitocentos! Como devem imaginar, isto levou ao aparecimento de centenas de monstros e vilões, e todos sem começarmos sequer a falar das aventuras áudio.

Mas é possível ver padrões e reconhecer algumas coisas interessantes. Como por exemplo, os monstros que só aparecem uma vez.

Antes de começar, no entanto, gostava de dizer que me sinto numa posição algo ingrata. Praticamente nenhum monstro está a salvo de voltar a aparecer, seja de que forma for, com esta série. Entre confusões temporais, não é de estranhar a repetição de alguns vilões, ainda por cima de forma bastante simples.

Mas acho que podemos falar de alguns facilmente aceitáveis como únicos. Monstros demasiado específicos a uma situação qualquer ou a um certo episódio: é muito complicado voltarem a aparecer. Como os Hath, os estranhos peixes antropormofizados de The Doctor's Daughter. Ou os Smilers do The Beast Below e os Clockwork Droids do The Girl in the Fireplace.

Hath

Monstros “simples” e com propósitos muito específicos, que funcionam particularmente bem nos seus episódios, mas que fora deles não parecem fazer muito sentido.

Qual é, no entanto, a importância real deste tipo de monstros? Porque não ter um programa (ainda mais) recheado de Daleks e Cybermen e Weeping Angels, monstros mais do que confirmados como verdadeiramente assustadores?

Pois bem, mais que não seja pela simples razão do hábito. Afinal, nos últimos tempos é fácil ouvir grupos de fãs a discutir sobre o tempo de antena dado aos Daleks nas temporadas desde 2005: alguns argumentam que é fantástico poderem revisitar todo o passado da série; outros dizem que apenas se está a conseguir fazer com que os vilões não sejam tão assustadoras como deveriam.

Eu concordo com a segunda hipótese. Como H.P.Lovecraft costumava dizer, aquilo de que o homem mais tem medo, é o desconhecido. E realmente, na maior parte dos filmes e livros de terror que tenho visto e que são realmente bons, o vilão/monstro acaba por aparecer muito pouco. Há muita escuridão, muitas sombras, muitos ruídos, mas ver o monstro é que não acontece com frequência.

Portanto acho que está na altura de louvarmos os monstros que fazem aparições curtas e únicas. Pelo menos até agora, que nunca se sabe quando é que alguém os decide trazer de volta (por muita certeza que se tenha de que ninguém quer trazer o Kandyman, de The Happiness Patrol, uma das histórias do Seventh Doctor).

Kandyman

De que monstros falo eu? Monstros como os Hath, so Sycorax, os Smilers, a múmia do recente Mummy on the Orient Express, os Adipose, os Sensorite – favoritos pessoais meus, da época do First Doctor – e tantos outros!

Que vantagens trazem eles? Porque é que funcionam tão bem? Bem, a natureza episódica que dominou na série durante anos é bastante favorável a este tipo de monstros. Um vilão por história não é uma má fórmula, e funcionou bastante bem durante os primeiros anos de Doctor Who, em que pouco se repetiam os vilões.

E reparem no potencial de os fazer assustadores: são monstros que só aparecem num episódio, sem se saber mais nada sobre eles para além daquilo que é contado/mostrado durante esse episódio. É um poder que os argumentistas souberam aproveitar, especialmente desde que a série voltou, em 2005, ou acham que é possível esquecer os Vashta Nerada, ou o monstro de Midnight?

Vashta Nerada

Mas ainda há mais! Cada aparição de um monstro destes contribui para aumentar a mitologia da série, mostrando-nos que há uma enorme diversidade alienígena neste universo, como seria de esperar.

Já para não falar que monstros que aparecem uma vez, se forem bem feitos, ficam para sempre na memória como fantásticos, ao contrário do que tem acontecido com os Daleks, monstros icónicos que existem desde a segunda história de sempre da série, e já levam uma série de acidentes de percurso no currículo.

Falo de casos como os Sensorites, que depois até se vem a descobrir que estão de alguma forma relacionados com os Ood. Conhecemo-los durante a história The Sensorites, e a sua primeira aparição é das situações mais assustadores que já vi na série. A caracterização é a típica da altura, relativamente fraca, mas muito boa, tendo em conta a época, o orçamento e o ritmo de gravações, mas as representações estão fantásticas.

Sensorites

Estes “monstros” contribuem claramente de forma bastante positiva para a história da série, mais que não seja por estarem presentes num episódio em que Susan demonstra as suas capacidades telepáticas, dando assim mais uma dica para a verdadeira natureza do Doctor enquanto Time Lord.

Ou seja, por mais que se goste de Daleks, Cyberman, Weeping Angels, da Great Intelligence, de Ice Warriors e outros tantos monstros recorrentes (sobre os quais falarei num artigo futuro), não se pode negar a força e a importância destes monstros únicos!

Artigo da autoria de Rui Bastos, membro da equipa Whoniverso