Os monstros que não se cansam

26-10-2014 18:09

Entre os muitos trunfos da série, um dos mais visíveis é certamente o seu plantel de monstros reincidentes. Quase todos os Doctors encontraram os Daleks e os Cybermen, por exemplo,  que são os dois casos mais icónicos e especiais. E não há nada melhor para convencer os fãs a aceitar determinado Doctor, depois de uma regeneração, do que ter um inimigo antigo a reconhecê-lo.

E se pensam que é coisa de agora, pensem outra vez. Os primeiros monstros com mais do que uma aparição foram os Daleks. No tempo de William Hartnell. Há cerca de cinquenta anos.

Ou seja, é uma noção quase tão antiga como o próprio programa. De certa forma, até é algo que se confunde com o programa, pelo menos actualmente. É impossível falar de Doctor Who sem mencionar os Daleks, os Cybermen, os Weeping Angels e outros tantos. São monstros que fazem parte da identidade do programa!

Ainda por cima não é de estranhar. Os Daleks foram os primeiros verdadeiros monstros a aparecer, logo na segunda história do First Doctor, The Daleks. E nunca mais se fartaram! Os Cybermen, por outro lado, foram os primeiros monstros presentes numa história de regeneração – exactamente a do First Doctor para o Second Doctor! E também nunca mais se fartaram!

Mas só com estes dois exemplos já é fácil de apontar um dos problemas desta fórmula: os monstros por vezes serem demasiado usados. Esta foi uma das principais queixas apontadas às novas temporadas da série, desde 2005, especialmente no que toca a Daleks e Cybermen, que chegaram ao ponto em que perderam grande parte da aura perturbadora que os perseguia, simplesmente por serem uma visão demasiado comum (e por vezes tão facilmente vencida).

Um problema que não aflige os Weeping Angels, que são absolutamente assustadores em todas as aparições que fazem (obrigadinho Moffat), mas que aflige os Slitheen, mais por serem monstros ridículos do que outra coisa.

Há mais exemplos interessantes, como os Judoon (Judoon platoon upon the moon!), os Sontaran, os Silurians e os Sea Devils, os bastante reconhecíveis Ice Warriors e muitos mais. Mas há três em particular, além dos Daleks e dos Cybermen, que considero de certa forma especiais: os Autons, os Silence e a Great Intelligence.

Os Autons são os monstros de plástico que o Doctor derrota em Rose, o primeiro episódio do novo fôlego de Doctor Who, com Christopher Eccleston nos comandos da Tardis. Esse episódio é fantástico (foi o que me prendeu à série) e Eccleston está simplesmente fantastic!, como Ninth Doctor. Os Autons cumprem o seu papel de monstros e são assustadores e perturbadores, mas têm um outro papel que me passou despercebido durante muito tempo.

Estes monstros apareceram pela primeira vez frente ao Third Doctor, em Spearhead from Space, o episódio em que Jon Pertwee se estreou no papel, em 1970! Qual é, exactamente, a importância que estou a dar a este facto, perguntam vocês? Bem, estes monstros são o ponto de ligação entre a série antiga e a série nova. Para além da Tardis e do Doctor – que tem uma cara nova – são os monstros que fazem a ponte, pois são reconhecidos pelos fãs mais antigos, sem que pareçam demasiado estranhos e descontextualizados para os fãs novos.

E logo com um monstro cuja primeira utilização foi exactamente num episódio de estreia de um Doctor. Com isto fica-se a perceber facilmente a importância dos monstros nesta série: o que é que fez de Rose um episódio de Doctor Who? Ou melhor, o que é que Russel T. Davies utilizou para definir e manter a identidade do programa?

O Doctor, a Tardis, uma companion e um monstro. Cara nova para o primeiro, ligeira remodelação para a segunda, pessoa completamente nova para a terceira e... um monstro repetido. Compreendem agora?

Com a Great Intelligence passa-se algo parecido: foi um dos inimigos mais ferozes do Second e do Eleventh Doctor, permitindo alguma continuidade entre épocas. A sua verdadeira importância, no entanto, vem do seu papel central no final da última temporada de Matt Smith como Doctor, em que se torna verdadeiramente o motor que faz tudo avançar.

Os Silence, por outro lado, são um caso diferente: quase omnipresentes durante uma boa parte da vida do Eleventh Doctor, surgem no início da sua vida e só desaparecem no final, fazendo assim parte de um dos arcos narrativos mais longos e complexos que alguma vez existiu no programa.

O ponto comum em todos estes monstros é que são uma de duas coisas: extremamente assustadores ou extremamente palermas. Os mais usados, como os Daleks e os Cybermen, conseguem a incrível proeza de serem ambas as coisas, às vezes ao mesmo tempo, mas ninguém safa os Slitheen. E acho que é impossível usar os Weeping Angels e os Silence sem os fazer, no mínimo, perturbadores.

Mas a melhor parte, para mim, é nunca saber se determinado monstro vai voltar a aparecer ou não. Tirando alguns casos muito específicos, quase nada impede um monstro de voltar a aterrorizar o Doctor. O elemento de viagens no tempo até permite que vejamos as suas aparições fora de ordem, ou que encontremos um monstro depois de já o termos visto morrer, por exemplo. As possibilidades são tantas que só posso dizer: venham mais!

Artigo da autoria de Rui Bastos, membro da equipa Whoniverso