Sobre o Ninth Doctor

25-09-2014 17:00

Curioso como sou, já conheço todos os Doctors bastante bem. Investigando aqui e ali, muita coisa se descobre. Ainda não vi um único episódio do Third, Fourth, Fifth, Sixth e Seven, nem o filme do Eight, embora já o tenha visto no mini episódio The Night of the Doctor, mas conheço-os quase tão bem como às encarnações cujo episódios já devorei na totalidade.

Mas há um que é especial. Objectivamente falando, até pode nem ser aquele que acho que fez um melhor papel (mas acho), ou que teve a maior importância na história do programa, mas a verdade é que o considero como o meu Doctor. Esta noção é um bocado alienígena para não-fãs, pois não há muitas séries com protagonistas que mudam constantemente de aspecto de forma tão radical como Doctor Who, mas qualquer fã sabe daquilo que estou a falar.

O nosso Doctor é aquele Doctor que nos fez ficar convencidos que esta série é fantástica. Aquele de que nos lembramos mais frequentemente e cujo nome nos salta da boca para fora, quando falamos sobre a série com alguém. É inevitável.

No meu caso, é o Ninth Doctor, interpretado por Christopher Eccleston. Antes de falar disso, no entanto, gostava de realçar algumas coisas. Os fãs da série clássica costumam ter opiniões moderadamente divergentes, mas há uma grande paixão por William Hartnell e Tom Baker: o primeiro, com aspecto de avô e que lançou as fundações da série; e o quarto, o actor que mais tempo esteve no papel, e cuja incarnação é a mais frequentemente identificada com a personagem.

Com o ressurgimento da série, no entanto, há novas classes de fãs, facilmente categorizáveis. Há os eternos apaixonados por David Tennant, o Tenth Doctor, que vivem plenamente convencidos de que ele foi o melhor Doctor de sempre e o será para sempre, com uma pequena facção a fazer sucessivas tentativas de o trazer de volta ao papel. Depois existem os fãs de Matt Smith, tão ou mais aleatórios que ele, e a maior parte a ter passado meses a dizer que ele era demasiado novo para depois verem o seu primeiro episódio e se renderem... Enfim, há de tudo.

Aquilo que não há, no entanto, é muitos fãs acérrimos de Eccleston. Quer dizer, para ser honesto, acho que nunca vi uma única linha a dizer mal do seu tempo na série, ao contrário do que acontece com todos os outros Doctors. E sim, ele tem fãs, apenas não tem muitas pessoas a considerá-lo o seu Doctor. É muito mais fácil e frequente apontarem um actor de Classic Who, ou as encarnações a seguir ao Ninth.

E é uma pena. Não só Eccleston foi dos actores mais brilhantes e consistentes que a série já viu nos seus 50 anos de vida, como teve uma responsabilidade incomparável à de qualquer outro Doctor: a de a trazer de volta.

Se bem se lembram, McGann sentiu um pouco disso, em 1996, com a primeiro aparição do Eight Doctor, num filme destinado a convencer americanos que Doctor Who valia a pena e que infelizmente não teve sucesso. Mas nove anos depois, Eccleston teve esse peso em cima acrescido do peso do falhanço do filme de McGann. E o que é aconteceu? Sucesso!

Não é justo dizer que foi Eccleston o grande salvador da série: Russel T. Davies foi o argumentista responsável, e se é preciso apontar um herói, foi ele. A própria companion, Billie Piper, teve o seu peso, assim como, acredito, toda a equipa de produção e mais algumas pessoas.

Mas a cara da série era Eccleston. O seu desempenho como um Doctor diferente de todos os outros, mas ainda assim perfeitamente reconhecível, é notável. As roupas negras dão-lhe um ar discreto, mas a sua energia dá-lhe um carisma capaz de encher uma sala. O olhar pesado e o sorriso fácil são contrastantes, e mais eficazes por isso mesmo. A rapidez com que o Ninth Doctor passava de um sorriso de orelha a orelha para um ar grave era fantástica, ainda por cima porque o fazia sem nunca deixar de ser credível!

Além do peso dos 900 anos que tem em cima, este Doctor tem ainda a angústia da Time War, de ser o último dos Time Lords e por sua própria culpa. Este pormenor foi criado em parte para simplificar a história para a nova audiência, mas Davies integra bem isso na personagem e Eccleston incorpora bem o soldado arrependido mas ainda implacável, angustiado mas esperançoso.

Mas não é só isto. Uma das principais razões para este ser o meu Doctor é uma das que muita gente dá: foi o primeiro que conheci. E Eccleston fez tão bem o seu trabalho que eu vi um episódio, já nem sei qual, na SIC Radical, há muito, muito tempo, e fiquei apaixonado pela série. Não fiquei a saber que série era, e só consegui ver um episódio de vez em quando, se tivesse sorte de estar a dar quando eu passasse pelo canal. Depois tive uma série de anos sem a ver, ou porque deixou de passar ou porque fui lentamente deixando de ver televisão, mas já na faculdade redescobri-a. Sinceramente, já nem sei como. Pesquisa aleatória na internet? Voltou a passar um episódio na televisão e tive a sorte de apanhar? Não sei. Mas pensei “é agora!”, e vi tudo seguido até estar a par com a primeira temporada de Matt Smith.

Ou seja, o Ninth Doctor só precisou de alguns minutos de tempo de antena para me convencer. Não sei bem se me identifico com ele ou se gostei do casaco ou sei lá, mas ele apareceu, provavelmente soltou um dos seus Fantastic! e prendeu-me. Sem mais nem menos.

Aliás, uma das minhas primeiras memórias da série é aquele momento fantástico no primeiro episódio com o Ninth Doctor, com o London Eye em pano de fundo a dar a resposta ao problema do episódio, e o Doctor a demorar mais a perceber do que seria de esperar. É hilariante, extremamente típico do Doctor, demonstra a grande química entre Eccleston e Billie Piper, e tornou-se num momento icónico da série com a maior das facilidades.

Infelizmente, Eccleston só durou uma série. Estivesse planeado ou tenha sido causado por divergências com a equipa de produção, e por muito que tenha a certeza que a sua encarnação era perfeitamente capaz de durar mais uma ou duas temporadas, sei que saiu na altura certa. Era um Doctor demasiado atípico, demasiado deprimido. Ou melhor, demasiado incapaz de esconder o que sentia. O Tenth era arrogante e vistoso, o Eleventh era goofy e vistoso, e agora o Twelfth é resmungão e distante, mas o Ninth era honesto. A dor da Time War, daquilo que tinha feito, ainda estava demasiado próxima – especialmente se tivermos em conta a teoria de que naquele primeiro episódio ele acabou de regenerar.

Mas não foi mais que isso. Um Doctor honesto. Pensem bem nos Doctors que conhecem... Quantos eram realmente honestos? Quantos não usavam o nome Doctor e o ritmo agitado para esconderem o que sentiam? Em quantos é que conseguem ver, de forma praticamente permanente, o peso dos séculos de idade, e a angústia por causa dos seus actos?

Quantos Doctors eram tão humanos? É que o Ninth deve ter sido o mais humano e, por causa disso, um dos mais distantes dos humanos. Para sentir como nós sentimos, tudo aquilo pelo que passou? Nenhum humano seria capaz. É por isso que o Tenth e o Master ficam sem memória, quando se tornam humanos, e é por isso que a Donna tem de ficar sem memória. Mas o Ninth aguenta com tudo, da forma mais humana possível, e isso dói-lhe, mais do que a qualquer outro Doctor, especialmente porque deixa que os outros vejam.

E no final do episódio salva o dia, sorri, e parte para outra! É por isso que o Ninth Doctor, Christopher Eccleston, é o meu Doctor.

 

Artigo da autoria de Rui Bastos integrante da equipa Whoniverso