A monotonia da companion

30-08-2015 10:55

O papel dos companions sempre foi mais do que óbvio: fazer com que os espectadores se identifiquem com alguém, e ajudá-los a acompanhar o que se passa. A personagem em controlo é claramente o Doctor, ou o vilão do dia, e os companions têm o papel de descobrir, ao mesmo tempo que nós, que estamos a assistir, o que raio está a acontecer.

É por isso que sentimos que há algo de real na admiração de quem descobre que a Tardis é bigger on the inside, pois foi isso que sentimos. A personagens são muitas vezes arrastadas para estas aventuras de forma inesperada e acidental, e tornam-se companions, de tão maravilhadas que ficam com a vida do Doctor. Um bocadinho como aconteceu a muitos de nós, que descobriram a série por acidente e ficaram tão maravilhados que continuam a acompanhá-la.

É também por isso que já não funciona tão bem, e é também por isso que existe a Clara da oitava temporada. O grupo de fãs já é vasto, e mais familiarizado com o programa e a sua mitologia do que muitos dos actores que nela participam activamente. Não faz sentido introduzir companions constantemente ignorantes do que se passa à sua volta, pelo menos não de forma tão flagrante como estamos habituados a ver.

A resposta a isso, a meu ver, foi a Clara da oitava temporada. Moffat, de uma forma ou de outra, sabe o que faz, e embora a execução muitas vezes não seja a melhor, algumas ideias são de facto boas. Pessoalmente já há muito que me fartei da personagem (preferi a versão vitoriana e a versão Dalek, para ser sincero), mas gostei de a ver na mais recente temporada. E agora que penso nisso, foi uma evolução que fez todo o sentido, por muito abrupta que tenha sido.

De repente tivemos uma companion que entrava facilmente em controlo e que até sobreviveu bem sem o Doctor em várias situações. Isto foi de tal forma levado ao extremo que até tentou apanhar o Doctor numa emboscada, para o obrigar a fazer o que ela queria. Teve menos classe do que muita coisa que aconteceu com outras companions, mas foi inovador.

E no entanto, a resposta dos fãs a esta Clara é quase a mesma que à Clara anterior: mudem a companion, já chega de Clara, agora um homem, agora um extraterrestre, agora um robot, agora ninguém...

Confuso? Só os fãs a queixarem-se porque sim? Não. Acho que têm toda a razão. Querem ver? Vamos tentar resumir aqui os companions da nova série: houve o Captain Jack, a Donna, o Rory, a ocasional River, a Rose, a Martha, a Amy e a Clara; um homem omnissexual vindo do futuro, uma mulher histérica e respondona vinda do nosso tempo, um enfermeiro vindo do nosso tempo, nem sequer vou tentar definir a River, e... uma jovem do nosso tempo apanhadinha pelo Doctor, outra jovem do nosso tempo apanhadinha pelo Doctor, mais uma jovem do nosso tempo apanhadinha pelo Doctor, e ainda uma quarta jovem do nosso tempo apanhadinha pelo Doctor.

Notam o padrão?

Rose Tyler, Martha Jones, Amy Pond e Clara Oswald. Quatro das cinco companions com mais episódios no papel (a Donna é a que falta, uma lufada de ar fresco e uma tirada de génio de Russel T. Davies), são jovens mulheres do século XXI que acabam por sentir algo mais do que amizade pelo Doctor.

Isto durante os últimos dez anos. A série clássica, que mudava de companion como o Capaldi muda de roupa, pelo menos diversificou um bocadinho: vários companions do passado, ou de outros planetas, ou andróides, ou cães robóticos, e até do futuro. Está na altura de isso acontecer com a nova série.

Mas, mais uma vez, é por isso que a Clara da oitava temporada foi tão diferente, e teve um papel tão diferente das suas antecessoras. E se querem que vos diga, também é por isso que vai continuar para a nona temporada: porque ainda não sabem quem lá pôr a seguir. A noção de que é preciso quebrar a monotonia na série e começar a mudar coisas já se vai mostrando, com a escolha de Matt Smith, um puto quando comparado com os outros Doctors, com a River, com o especial de Aniversário, o War Doctor, um Twelfth Doctor mais agressivo, o iminente regresso de Gallifrey e um Master feminino, não tenho dúvidas de que o próximo passo será um companion diferente, que quebre este estereótipo de rapariga apaixonada pelo herói impossível.

Não sei bem como é que o vão fazer, mas tenho a sensação que vamos descobri-lo durante a próxima temporada!

 

Artigo da autoria de Rui Bastos, membro da equipa Whoniverso