Como converter alguém a ver Doctor Who (parte 1 de 2)

17-01-2016 14:28

Chegou a pior altura do ano para um whovian. Aqueles meses intermináveis entre o fim de uma temporada e o começo de outra. Ficamos a remoer no que aconteceu, a pensar no que ainda vai acontecer, e a conspirar formas de expulsar alguém, seja o Moffat, o Doctor, o Moffat, a companion, o Moffat, ou seja o que for.

Em termos de companion estamos com sorte. A Clara foi-se de vez, depois de nunca ter sido universalmente apreciada, e de muito claramente ter ficado uma temporada a mais. Em termos de Doctor também estamos com sorte, já que Peter Capaldi parece feliz e satisfeito no papel e já nos foi garantido que vamos contar com ele durante pelo menos mais uma temporada.

Infelizmente parece que estamos com azar no que diz respeito a Steven Moffat, que continua empenhadíssimo em continuar a mandar em Doctor Who. Já há muito tempo que sou contra o tipo, mas ele até se conseguiu regenerar (ah!) ligeiramente na minha opinião, com a normalmente excelente nona temporada.

Claro que no final deitou tudo a perder, e embora Heaven Sent seja um dos melhores episódios da história do programa, e Hell Bent tenha uma primeira metade divinal, com um Twelfth Doctor perigoso e o muito esperado regresso a Gallifrey, a segunda metade desse mesmo episódio estraga tudo, com um foco muito pouco saudável numa Clara já morta, que regressa (mais ou menos) e acaba livre e solta que nem um passarinho, com a sua própria Tardis e a sua própria companion.

Enfim. Podia ser pior. Mas como estes três pontos estão resolvidos, temos que arranjar mais alguma coisa para fazer. A minha solução é simples: tentar converter alguém. Não estou a sugerir que roubem carrinhos de panfletos a velhotas demasiado simpáticas e demasiado insistentes que vos tentem vender religião, para depois os encherem com coisas da série (embora seja uma solução interessante); aquilo que sugiro é que tentem convencer alguém a ver Doctor Who, e que o façam de forma inteligente.

O que quero dizer com isto é que precisam de mostrar logo, assim de chapa, um episódio para lá de excelente e que se consiga aguentar sem o conhecimento prévio de toda a mitologia com que estamos tão familiares.

As discussões sobre quais serão os melhores episódios para isto já são antigas e longas, provavelmente quase tanto como a capacidade de rever episódios. Em vez de me ir enrodilhar nessas listas que já existem, decidi fazer as minhas próprias escolhas, que já vos explico.

A primeira coisa a ter em conta é que só escolhi episódios desde 2005. Ainda não vi todos da série clássica, e acho que não vale a pena tentar convencer alguém com episódios claramente antiquados, mais que não seja em efeitos especiais e qualidade de imagem.

A segunda coisa é que a partir da altura em que o Moffat tomou conta do programa, os episódios passaram a ser muito mais interligados e a dependerem muito mais de uma história transversal à temporada (ou até a várias!). Como tal, torna-se complicado encontrar episódios que consigam, sozinhos, convencer alguém. Isso explica que dos nove episódios que escolhi, seis sejam da altura do Russel T. Davies, e apenas três sejam da época Moffat.

Sem mais demoras, aqui vão os primeiros três episódios escolhidos. Para a semana falo-vos dos seis que faltam.

 

s01e01 - Rose (Ninth Doctor)

 

Já discuti um bocado a viabilidade deste episódio como episódio a usar para convencer alguém a ver Doctor Who, mas mantenho a minha opinião de que é óptimo para esse fim. Afinal, foi assim que me convenceram a mim, quando eu não sabia nada sobre a série e tiver a sorte de apanhar o episódio na SIC Radical.

E faz sentido. Afinal, este é o episódio que trouxe a série de volta, depois de um interregno de dezasseis anos, apenas permeado por um filme que não conseguiu ter o sucesso que se esperava. Tudo neste episódio é feito de forma a aclimatizar o espectador, de forma lenta mas firme, à mitologia.

Começa com uma rapariga normal, a viver a sua vida normal e com algumas dicas de que se passa algo de estranho, com a câmara a fixar-se demasiado nos manequins de plástico. Depois o ataque e o aparecimento deste homem misterioso, cheio de energia e muito confiante de si mesmo, que leva essa rapariga pela mão e a salva.

Depois há um interlúdio em que Rose visita um tipo que segue esse homem misterioso, o Doctor, através da história. Tem várias fotos do Doctor em vários momentos importantes da história, e é ele que revela, tanto a Rose como à audiência, quem é o Doctor. Bem, pelo menos que ele é um alien imortal.

No final o Doctor salva o dia, com a ajuda de Rose, e convida-a para ir com ele em mais aventuras, um convite que se estende ao público a ver o programa, e que acho que é capaz de deixar perguntas suficientes para que se queira continuar a seguir a série.

 

s01e02 - The End of the World (Ninth Doctor)

 

O episódio imediatamente a seguir também em parece uma boa introdução à série. Tem a vantagem de ter uma premissa mais cativante - o Doctor e Rose viajam para o futuro até uma espécie de cruzeiro espacial onde vão assistir ao fim do planeta Terra, um momento que se tornou num espectáculo para uma série de sumidades de várias civilizações - e visuais mais alienígenas e espectaculares.

Há vislumbres do espaço, bem feitos e cativantes, e há aliens de aspecto peculiar. O enredo é basicamente um mistério e uma corrida contra o tempo, e permite ao Doctor mostrar em todo o esplendor a sua natureza alienígena, diferenciando-o do humano que aparenta ser.

Um aspecto interessante é que Doctor e companion passam grande parte do episódio separados, mais uma vez permitindo que a audiência consiga acompanhar uma perspectiva de quem percebe exactamente o que está a acontecer, e uma perspectiva de quem está simplesmente perdida e maravilhada com o que a rodeia.

 

s01e06 - Dalek (Ninth Doctor)

 

Ainda dentro da extraordinária primeira temporada depois do regresso do programa, o sexto episódio, Dalek, também me parece ser uma boa introdução, mas por motivos diferentes dos anteriores. Se Rose é um cartão de apresentação e The End of the World é um detalhado panfleto, este episódio é verdadeiramente um livro de viagens.

Não há um visual particularmente cativante, nem demasiadas explicações. O que há é uma história tremenda, com um enorme peso emocional e que subverte completamente as expectativas. Desta vez o Doctor e Rose dão de caras com um tipo rico e irritante que é fascinado com tudo o que seja alienígena. Sim, isso eventualmente inclui o Doctor, mas também inclui um Dalek, um inimigo antigo mas completamente novo para o novo público.

O confronto destas duas personagens permite revelar vários pormenores sobre um evento que a temporada tem vindo a insinuar desde o início - a Last Great Time War - que começou como um simples plot device para de certa forma fazer um soft reset à mitologia do programa mas que, como sabemos hoje, se tornou numa característica essencial desta nova vida do programa, com consequências importantes para a personagem do Doctor e para as várias narrativas que foram nascendo nos últimos onze anos.

Além disso, a história é realmente cativante e bem construída: permite não só mostrar os dois lados da barricada, como deixar bem claro que o próprio Doctor não tem a certeza de que lado se encontra. Por muito que tente salvar tudo e todos, continua a estar cheio de ódio, e continua a sofrer o peso de ter exterminado duas raças inteiras, incluindo a sua, os Timelords.

O mais importante a tirar desta lista talvez venha a ser um facto que os verdadeiros fãs estão fartos de saber, mas que alguns parecem ainda não compreender: não se ignora o Ninth Doctor. Não só é um Doctor marcante na história do programa, como o actor, Christopher Eccleston, foi um dos melhores actores, em termos técnicos, a ter o papel em mãos. Pode não ter sido o que fez melhor o papel, mas foi a sua qualidade de representação só está a ser igualada agora, por Peter Capaldi, e mesmo assim...

Portanto, por hoje é tudo, e para a semana falo-vos de alguns episódios do que falta: três episódios da época Tennant, dois da época Smith, e um da época Capaldi.

 

Artigo da autoria de Rui Bastos, membro da equipa Whoniverso