Doctor Who: Antes e depois de 2005

01-03-2015 13:15

Desde 2005 que Março é um mês especial para Doctor Who. Foi neste mês, há dez anos, que os antigos fãs viram a série regressar, com Christopher Eccleston ao leme, como Doctor. Um regresso relativamente discreto, mas com sucesso, como se pode ver pelo alargado grupo de fãs que acompanha religiosamente a série hoje em dia.


Alguns já eram fãs desde a Era Clássica, entre 1963 e 1989 (mais o filme de 1996), outros ainda não eram sequer nascidos, e muitos, mas mesmo muitos, são bastante empenhados em saber toda a história do Doctor e do(s) universo(s) em que ele vive.

Há muita gente como eu: quando os últimos resquícios da era clássica apareceram, em 1996, com a passagem de testemunho de Sylvester McCoy para Paul McGann, eu tinha apenas três anos. E nunca ouvi falar da série até chegar à adolescência, quando apanhei alguns episódios aleatórios. Foi só na faculdade que realmente conheci Doctor Who e comecei a devorar os episódios pós-2005.

O que é que eu fiz quando esses se acabaram e tive que esperar por mais? Ora, comecei a ver os pré-2005, como é óbvio. No entretanto já vi as primeiras sete temporadas completas, o que significa que já conheço bem os três primeiros Doctors: William Hartnell, Patrick Troughton e Jon Pertwee.


Vocês compreendem. Nós, os fãs, quando gostamos, gostamos mesmo. E não vão ser as reconstruções dos noventa e sete episódios perdidos, nem os episódios a preto e branco, nem nada, que nos vão impedir de termos a nossa dose de Doctor Who.

Além de que é realmente bom ver aqueles episódios antigos. Permitem-nos conhecer melhor a personagem do Doctor, as suas origens, a sua personalidade, os seus vilões, os seus dilemas, e ajudam a pôr em perspectiva muito do que acontece com os Doctors desde o Eccleston.

Mas como é que uma se compara à outra? Serão muito diferentes? A resposta, como tudo o que esteja relacionado com esta série, não é muito linear. Por um lado, são bastante diferentes, tanto em formato, como em orçamento, como em tipo de argumentos, como em prestações dos actores; mas por outro, têm exactamente a mesma essência.

E a coisa ainda piora quando se considera que tanto uma Era como a outra têm o dom de se conseguirem transformar, passando de uma coisa para outra dentro da mesma Era. Basta comparar os episódios de Eccleston com os do Smith. É tudo completamente diferente!


Ignorando isso, o que é que podemos dizer? Bem, a série antiga tinha a vantagem de estender cada história por vários episódios de vinte minutos, sendo frequente que as histórias chegassem a ter duas horas. Era um formato que perdia muita da intensidade que temos hoje, mas adicionava muito investimento emocional e dava muito mais liberdade ao enredo para se ir desenvolvendo.

A série nova, por outro lado, fez dos arcos narrativos compridos uma autêntica arte. Desde o subtil Bad Wolf até às bastante óbvias Cracks in time, desde que Russel T. Davies e Moffat tomaram as rédeas à série, tudo pode ser importante para um episódio mais à frente, por mais discreto que isso seja. Como o desaparecimento das abelhas e os refugiados de vários países durante a época de David Tennant.


Os próprios Doctors são diferentes, mas isso é um falso argumento, porque a própria premissa do Doctor é que ele é diferente a cada encarnação, embora se mantenha essencialmente o mesmo. É uma noção curiosa que se conseguiu estender a todo o programa, nem sempre com boas consequências.

Como acontece com os e as companions. Na série antiga era frequente haver um companion que servia para entrar nas cenas de acção, e uma companion que servia para ser resgatada das mãos dos vilões. Na actual, o modelo de rapariga respondona e atrevida já começa a cansar. Muda o/a companion, mas fica a mesma essência.

A TARDIS sim, é uma grande diferença. De mero adereço e veículo do enredo, tornou-se crucial para vários dos enredos. Já é tanto uma personagem como o Doctor! Tem uma personalidade, emoções, vontade própria... Se pudesse escolher algo da nova série para passar para a antiga, seria esta, sem sombra de dúvida.

E os episódios em si? A verdade é que fazer esse tipo de análise também não é muito simples, porque muitos dos episódios actuais vão beber muito à fonte da série antiga. Sejam homenagens, antigos vilões, antigos aliados, antigas ideias, antigos planos, enfim, toda uma série de coisas que se encontram, de certa forma, repetidas na nova série.

O que é bom. Recompensador para fãs mais antigos e para pessoas como eu, que se deliciam a ver os paralelos entre Troughton e Smith, ou entre Hartnell, Pertwee e Capaldi, ou então a reconhecer algum Dalek obscuro de um episódio pouco memorável, que volta a aparecer por pura casmurrice de quem faz a série.


Agora é que chegamos ao mais importante. A grande diferença que faz com que, para mim, a nova série tecnicamente ganhe à antiga. Os fãs. Mas não uns quaisquer: aqueles que se envolvem com a série. De quem falo? Ora de Russel T. Davies, de Peter Moffat, de David Tennant, de Peter Capaldi... Tudo gente que é fã praticamente desde pequenino, algo que se nota perfeitamente nas actuações e nas entrevistas de Tennant e Capaldi. Estão extremamente à vontade com o papel, porque o conhecem muito bem. E sentem-se verdadeiramente felizes por estarem a fazer aquilo.

Isto é incrível, qualquer que seja o ângulo pelo qual queiramos olhar. Só nos resta esperar que não se cansem e continuem a fazer episódios a um ritmo regular. É tudo muito engraçado, e tal, mas por causa do Eccleston – ainda digo que o Ninth foi o melhor Doctor – fiquei completamente viciado nisto, e nem quero saber se uma Era é melhor que a outra. Desde que haja Doctor Who para ver, fico bem...

Artigo da autoria de Rui Bastos, membro da equipa Whoniverso