Há Natal em Gallifrey? - 'The Doctor, the Widow and the Wardrobe'

17-12-2014 14:52

Se temos mais um episódio com Matt Smith como Doctor é certo e sabido que vamos ter  momentos desastrados a rodos. Aqui começamos logo com essa parte e temos uma explosão com consequente queda livre do Doctor para a Terra. Duvido que qualquer ciência explique uma queda do espaço para a Terra apenas com um fato – por muito especial que seja – sem que a pessoa que venha dentro se esventre, nem com biologia Time Lord.

Mas é assim que começamos, com um Doctor que em queda veste um fato e fica preso com o capacete virado do avesso. Claro que alguém o descobre e neste caso é uma mãe de família, Madge Arwell, quem o leva em segurança – ainda sem ver mais do que a parte de trás de um capacete de volta à sua TARDIS.

 

 

Claro que este pequeno favor seria retribuído e na altura mais precisa. O marido de Madge é piloto e estando nós por anos de Segunda Guerra Mundial há um telegrama que chega, com as piores notícias possíveis. Mas o que fazer com duas crianças pequenas que não merecem que o Natal seja para sempre estragado pela perda do pai? 

Com os bombardeamentos crescentes vêem-se obrigados a mudar-se para uma casa longe de Londres e é aí que se dá o reencontro. Não que Madge reconheça o agora não Doctor mas sim Caretaker, parecendo que não já não tem um capacete na cabeça, mas é apresentado como sendo a pessoa que está a tomar conta daquela casa. E que grande revolução que aquela casa levou nas mãos deste Time Lord. Era quase como visitar um parque de diversões em que a cada canto há coisas que nos encantam e espantam ao mesmo tempo: sejam cadeiras carrossel na sala, torneiras de limonada na cozinha, uma árvore como nunca tinha visto nenhuma, cheia de brinquedos e animações como enfeites (e com um mega presente debaixo dela) ou um quarto de fazer sonhar qualquer criança.

 

 

Mas aquela mãe está desolada e tem de manter uma posição pela protecção do Natal dos filhos e aquela personagem que julga não conhecer está a interferir demasiado com a calma que precisa naquele momento. E é muito nos momentos mais dolorosos e complicados que vemos a sabedoria do Doctor a dar cartas e aqui há mais um desses: aquelas crianças vão ficar devastadas assim que souberem dos eventos recentes, mais vale que sejam o mais feliz possível até lá.

Crianças são crianças e claro que no meio de uma casa com tanta coisa nova, brilhante e que mexe teriam de investigar durante a noite, saber quantos mais mistérios poderiam encontrar no mais escuro recanto. A menina – Lily, irmã mais velha – vai de encontro ao Doctor, bombardeando-o com perguntas acerca de tudo; o pequeno Cyril vai directo à árvore de Natal, melhor, ao presente debaixo dela que descobre estar a cintilar. E que nem Narnia – para o caso de alguém ainda não ter feito a ligação através do título deste especial - há um mundo escondido, não num guarda roupa mas numa prenda de Natal.

 

 

Para quem viu o filme é fácil ver as semelhanças do cenário que nos é apresentado: uma floresta cheia de neve, aparentemente pacata e que rapidamente demonstra ter mais para contar do que árvores. Dessas árvores nascem bolas prateadas, em tudo semelhantes aos enfeites usados por nós, simples humanos na altura de Natal. São árvores de Natal naturais com a diferença que quando Cyril toca numa das bolas esta começa a crescer e a estalar que nem um ovo. Como a curiosidade é complicada de lidar o pequeno não é capaz de resistir a seguir as pegadas recém criadas pelo ser que saiu daquele estranho enfeite sem sequer pensar no que poderia encontrar.

Como seria de esperar, mais cedo ou mais tarde acabam todos perdidos na floresta: Doctor e Lily seguem Cyril até um edifício construído no meio das árvores enquanto Madge acaba por ser apanhado por pessoas vestidas em fatos de protecção e que acabam por revelar que aquela floresta será toda destruída para produzir energia, com recurso a chuvas ácidas.

 

 

Como Doctor bem recentemente nos mostrou as árvores não são nossas inimigas, antes pelo contrário, e aqui a única luta que existe é uma pela sobrevivência destes seres. Precisam de um meio de se libertarem daquele suporte físico prestes a ser destruído e esse não chega pelas mãos de uma criança, e muito menos do um homem, é preciso uma força feminina, uma mãe – uma Mãe Natureza. E é Madge quem serve de comunicação com a floresta ao mesmo tempo que a absorve de forma a entrar no Time Vortex e poder salvá-la. O mais engraçado no meio de todas estas peripécias é que estamos a falar de uma floresta e seres que são feitos de madeira. E qual é o calcanhar de Aquiles de uma Sonic Screwdriver? Exactamente, madeira! O ar de perdido do Doctor quando se apercebe deste pequeno grande pormenor só dá que pensar se Peter Davison não teria afinal razão em trabalhar hands free, sempre dependia menos daquele instrumento que resolve mais de metade dos problemas que aparecem na frente do Doctor.

E se o War Doctor não achou piada nenhuma à ideia de Wibley Wobley Timey Wimey toda a comunidade whovian adora até porque é a expressão perfeita para descrever metade das voltas que temos que dar ao cérebro para perceber o que se passa. Aqui há mais um caso para esta categoria: brincar com as voltas do tempo pode trazer coisas muito boas e coisas muito más, neste caso caiu para o lado positivo. Para voltarem para casa Madge teria de pensar com todas as suas forças no seu objectivo, no seu refúgio de casa, e nada melhor do que se lembrar do homem que ama. Reviu tudo, desde o início. Mas já havia também um fim e o momento de ver essa parte também chegou, não sem que a dor viesse associada a ela. Com o Time Vortex pelo meio bem que podíamos começar a suspeitar de que alguma teria de acontecer e não nos enganávamos. Tudo o que um avião perdido precisava para chegar a bom porto era uma luz que o guiasse e nada melhor que uma espécie de máquina do tempo que o leva direitinho até casa.

 

 

Uma das coisas que acontece imenso em DW é termos passagens mais importantes do que se nota, pequenos momentos, palavras, gestos, que são Às vezes mais relevantes que o resto do episódio mas que quase passam despercebidos. Neste caso há um momento em que o Doctor tem de dar força a Madge para levarem mais um plano louco a bom porto. E as palavras são curtas mas dizem bastante: “I don't have a home to think of. And between you and me, I'm older than I look and I can't feel the way you do. Not anymore. ”. É com estas coisinhas que Doctor ganha uma componente completamente diferente da geral da série, é muito mais do que a mad man in a blue box. São estes momentos que nos lembram quem é que estamos a acompanhar, independentemente de todos os floreados que possam estar à volta.

Este não é dos meus especiais preferidos e acho que embora seja muito natalício não consegue atingir a emoção que tivemos em especiais anteriores. O grande momento capaz de levar alguém Às lágrimas é no fim: Madge convence o Doctor de que não pode deixar que os seus amigos fiquei à espera dele sem saber que está sequer vivo. Ninguém merece passar o Natal sozinho mas ninguém merece passar o Natal a pensar onde estará uma das pessoas que mais queriam ver nesse dia. E o reencontro com a Amy é qualquer coisa! A amizade destes dois é extremamente bonita e sem dúvida que um dos pontos fortes da época Smith. A incapacidade de estarem muito tempo chateados é só divertida, mesmo tendo em conta que são sogra e genro. Pena que não apareça a River nem que fosse a dizer “Hello Sweetie!” mas fica para a próxima. 

Artigo da autoria de Júlia Pinheiro, membro da equipa Whoniverso