Há Natal em Gallifrey? - 'The Runaway Bride'

05-12-2014 10:40

Antes de começar realmente o que seja que vai sair daqui quero deixar bem explícito que: 

  1. Este é o primeiro episódio de Donna Noble; 
  2. Desde o momento em que vi este episódio enquanto via as novas temporadas seguidas nunca mais o tinha visto até agora; 
  3. Donna Noble é para mim a melhor companion que o Doctor já teve – pelo menos das que já conheço minimamente. Isto dito não levem a mal excesso de emoção ou partes escritas de forma que indica claramente que eu gritei de excitação enquanto via tudo isto mais uma vez.

A minha primeira reacção, assim que começou o episódio, foi olhar para a Donna e pensar: “Tenho tantas saudades disto!” e rapidamente dispersei porque nos é apresentada a postura inabalável desta personagem, do primeiro minuto ao último! Gritos! Sempre! A toda a hora e seja pelo que for! Donna Noble não se cala, não aceita cá brincadeiras e se é para se queixar é em níveis de decibéis bem acima do normal.

Mas aqui tem razão: se em pleno dia do meu casamento fosse misteriosamente aparecer noutro sítio qualquer acho que também armava gritaria. Com a Donna isso nem sequer era uma questão, gritos haveria de certeza! Mas durante uns segundos – depois de já muito gritar - até a Donna se cala: quem é que conseguiria resistir a uma porta aberta para o espaço? Uma paisagem que ainda hoje invejo.

 


 

Mas confessemos que “Saint Mary's, Hayden Road, Chiswick, London, England, Earth, the Solar System ” soa a ser a melhor maneira de dar indicações a alguém que nos acaba de dizer que viaja no espaço. 

Mas não nos podemos esquecer em que ponto estamos na própria série. Temos uma personagem muito querida que acabou de nos deixar, e pior que isso, deixou-nos um Doctor muito abalado. Quando a Donna precisa de saltar de um táxi em andamento para uma Police Box voadora e pergunta se “Your friend, did she trusted you?” isto é qualquer coisa de nos deixar de lágrima ao canto do olho mais que não seja por ser tão recente. A presença da Rose ainda está um pouco por todo o lado mas a Donna até nisso é capaz de dar a volta, continua triste mas muito mais fácil de suportar com uma personalidade tão forte em cena.

 


 

No fundo o que se passou é “simples”: na altura da formação da Terra havia pós e fragmentos de rocha dispersos. É certo que foi preciso uma maior rocha que começasse a puxar as que a rodeavam e assim começar a juntar o que viria a ser o nosso planeta. O que na realidade serviu de centro à Terra não foi uma rocha maior que as outras mas sim uma nave dos sobreviventes da raça de Racnoss, um seres meio humanos meio aranhas. Quando Torchwood começou a mexer no centro da Terra despoletou um sinal a chamar a atenção para a Terra: estava na hora de reavivar uma raça quase extinta. Para atingirem os seus objectivos precisavam de uma substância, huons, mortal na sua essência, dentro do corpo da Donna para acordar as crias adormecidas no interior do planeta. Felizmente também a TARDIS tem dessas mesmas partículas e foi pela interação delas que tivemos a Donna a ser transportada tão repentinamente para a TARDIS.

 


 

Como é óbvio o Doctor nunca deixaria o futuro da Terra por mãos alheias e por isso se a raça não foi completamente eliminada pelos Time Lord – Sim, foram eles quem tratou de mais este assunto – o último representante destes acabou de vez com os Racnoss.

E matou com mais um dos momentos que nos fazem olhar duas vezes para o ecrã. O Doctor ficou simplesmente a observar a morte daqueles seres, a ouvir os seus gritos, com um ar muito negro estampado no rosto. A essência Time Lord nota-se muito nestes momentos e mais uma vez representados de forma brilhante por Tennant.

No fim de tudo isto quem mais perdeu – à excepção do grupo invasor – foi a Donna. O seu casamento é destruído, descobre que o homem com quem ia casar afinal apenas a esteve a usar como cobaia e no fim vê-o morrer mesmo à sua frente. Um dia que dá uma volta de 180º à vida de qualquer um.

É também interessante ver a apresentação que temos da personalidade da Donna, alguém absolutamente desinteressante, sem grandes interesses de vida, sem interesse por qualquer tipo de cultura ou sequer com o que se passa à sua volta. Prova deste último ponto é que nada do que já se passou no passado à vista de todos foi sequer registado, um pouco como o Doctor vem a dizer que os humanos tendem a fazer! Mais interessante ainda é ver que não é nada disso que depois conhecemos, há uma clara evolução e isso só faz apertar ainda mais o coração na altura da despedida “I can't go back! Don't make me go back! Doctor, please! Please, don't make me go back”.

 


 

Ainda no seguimento disto quero referir que é horrível rever estes episódios depois de sabermos o fim das personagens em jogo. E mais do que isso conseguimos encontrar pormenores qu enão dizem nada a alguém que vê aquilo pela primeira vez mas que faz soar uma qualquer campainha mental de um momento mais à frente. Neste caso fiquei de boca aberta, completamente, quando ouvi o Doctor a dada altura a lançar um Molto Bene. Para quem ainda não souber do que estou a falar eu explico: no final das aventuras de Donna ela absorve a mente do Doctor para ela, ou seja, tudo o que ele sabe ela sabe. E quando o Doctor pergunta como está uma das suas primeiras respostas é exactamente um Molto Bene. Eu continuo a dizer que não devem brincar assim com as nossas emoções mas nesta série ninguém me dá ouvidos.

Todo o episódio é muito cheio, um típico episódio de Doctor Who em que as pessoas estão sempre a correr, a fazer coisas, a encontrarem situações completamente estranhas e aproveitá-las da melhor maneira. Quando no meio de tudo se encontra Segways pelo caminho que outra opção poderá ser escolhida que não seja continuar o caminho nesse meio de transporte? Ou quando a TARDIS está a funcionar no sítio errado como é que se soluciona? À base de martelo! Porque sim, eu gosto imenso do Doctor que é David Tennant mas nunca vi alguém conduzir a TARDIS como ele: ele é mãos, ele é pés, ele é martelos, ele consegue mexer em botões diametralmente opostos da consola. Matt Smith é um Doctor absolutamente alheado de senso comum mas David Tennant bate-o aos pontos em condução perigosa!

 


 

Agora, tenho de confessar uma coisa que me fez confusão do início ao fim: eu adoro a Donna mas associada a ela há outra personagem também ela que me é muito querida. Onde anda o Wilfred neste episódio? Parece que a personagem de Wilfred ganhou relevância para substituir a falha criada pela morte de Howard Attfield em Novembro de 2007 e para este episódio a resposta que temos para não ter comparecido é uma gripe espanhola!

Catherine Tate foi uma aposta interessante para este papel. Embora em Portugal não estejamos muito em contacto com comédia britânica – a única coisa que tem alguma relevância é Little Britain e Mr. Bean  – esta atriz é verdadeiramente apreciada por essas terras pelos seus papeis cómicos, muitos no seu próprio The Catherine Tate Show. Para quem já acompanhou as aventuras das várias personagens que Tate criou por vezes consegue encontrar ali traços de uma ou outra mas numa pessoa completamente diferente. E aqui dou o mérito completo: é Tate com jeitos de Tate mas sem soar a Tate, ou seja, o típico comportamento que esperaríamos de um britânico que acompanhasse a série.

Mas é com ela que ouvimos uma deixa que já se tornou mítica: “Find Someone” - “I don't need anyone!” - “Yes, you do because sometimes you need someone to stop you”. E verdade seja dita, ela tinha razão.

Artigo da autoria de Júlia Pinheiro, membro da equipa Whoniverso