Há Natal em Gallifrey? - 'The Snowmen'

19-12-2014 17:55

Uma paisagem com neve no espaço enquanto olhamos para a Terra é qualquer coisa de estranho mas surpreendentemente bonito e é assim que começa este Especial de Natal, quase a chegar ao deste ano.

Se há coisa que não gostamos de ver em altura nenhuma – e muito menos em tempos natalícios – é uma criança sozinha, que não brinca com outras, que fica sossegado no seu mundo. Mas num dia de neve um boneco feito desta começa a falar com ele e a oferecer ajuda e daqui vem a origem de todas as peripécias futuras.

Para arrancar bem dentro do ambiente de Natal vemos um grupo de homens à espera de comida e em menos de nada essa situação inverte-se e passam a ser eles o alimento para uns estranhos bonecos de neve de ar assustador.

Mas que tipo de coisa é que nos poderia fazer esquecer a cena passada? Encontrarmos uma cara conhecida – nesta altura ainda muito pouco – no meio da neve: Clara tem aqui o seu segundo episódio de aparição misteriosa e relâmpago. Aqui conhecemos a verdadeira Clara, ar arrebitado mas essencialmente dócil e curiosa. Aparece-nos caída do ar e pior ainda ao pobre Doctor que até de cabeça para baixo a encontra, na charrete doutras três personagens emblemáticas e muito queridas pela comunidade whovian: Madame Vastra, Jenny e o S. Batata, perdão, Strax.

Entre vários “Winter is coming!” espalhados subtilmente há pedaços de neve a ser guardados e um Doctor num estado de apatia completa: “Not my problem!”, “The Universe doesn't care!”. A amizade que perdeu recentemente, demasiado importante para ele, fê-lo perder grande parte da esperança no que quer que fosse e pouco mais quer ser que um mero observador. Claro que nunca conseguiria, não está sequer programado para isso mas o estado a que chegou deixa-nos realmente preocupados e sensíveis com a situação.

No entanto há personagens que conseguem pura e simplesmente arrecadar os louros quase sempre que abrem a boca e um Strax despassarado que não sabe usar luvas e continua a perder a memória ao tentar apagar a da Clara é um dos melhores exemplos. “I'm the clever one, you're the potato one!” Já sabemos bem que não aconteceria mas não deixa de ser dos momentos mais engraçados deste episódio.

O Doctor bem evita mas a Clara não se deixa ficar: há aventura, perigo e aquele narizinho arrebitado curioso não poderia deixar escapar esta oportunidade. Certamente não esperava encontrar alguém a puxar uma escada do ar e muito menos conseguir subir nela até outras escadas, agora em espiral, lindas e invisíveis. O cenário de noite, a lua a brilhar, as estrelas em fundo, a Clara em trajes vitorianos perfaz um cenário lindíssimo, só possível em DW. Mas afinal também tem medo e ainda bate à porta da TARDIS mas não se deixa apanhar.

Mas Clara tem de trabalhar e aqui toma conta de duas crianças, uma casa demasiado correcta, demasiado adulta para ter duas crianças e Clara dá a volta a isso: há uma voz para um pai, outra para as crianças. Seja coincidência ou não mas a aventura também chega a esta casa e a resposta certo só poderia estar naquele homem misterioso que conheceu no dia anterior. Bem que tenta reencontrar as escadas e subir até à TARDIS mas Jenny acaba por encontrá-la e encarrega-se de tratar da triagem a esta jovem.

A esta entrevista da Vastra com a Clara é qualquer coisa de especial. A Clara com o seu ar impassível, curiosa, mortinha por aventura, A Vastra rígida, com uma postura senhorial como mantém em qualquer momento que se apresente. Várias perguntas e uma palavra de resposta. Díficil? Talvez, mas Clara sabe o que fazer e fá-lo da melhor maneira. E quando a palavra chave é Pond todos os corações do Doctor se arrebitam. E voltam aqueles óculos que conhecemos tão bem doutras paragens.

Mas nada falta neste episódio: juntar o Doctor com Sherlock Holmes? Pode ser. Piadas sobre neves inteligentes? “Takes one to snow one”. E melhor que tudo é ver o Doctor interessado em descobrir o que não sabe, curioso como tudo, a parecer uma pequena criança enqanto explora o mundo pela primeira vez.

Aparecer um ser de gelo, de formas femininas, a meio da noite, depois de aparecer em sonhos à pequena habitante da mansão grita por um só nome: Doctor. Imagino uma casa sossegada, correcta, delicada e que de um momento para o outro tem uma mulher de gelo a entrar no quarto das crianças, um homem desconhecido a descer as escadas, uma mulher lagarto, acompanhada por mais uma mulher desconhecida e ainda um homem batata. Uma noite completamente normal. Pelo menos para quem já conhece como estas coisas se processam.

O episódio é muito rico e até um beijo Doctor recebe mas Clara mantém a compostura: não é estranho ou romântico, está a gozar na cara dele à descarada e prova é o ar dela assim que vai atrás dele. Mas ela é engraçadissima, sempre a meter-se com o Doctor, a ser esperta e divertida e espevitada. Devo dizer que tenho imensa pena desta versão da Clara que perdemos nos últimos tempos. Porque aqui tive um dos meus momentos favoritos da Clara: ao contrário de todos os outros, sem excepção, consegue inovar no momento crucial: “It's smaller on the outside”. O que eu gostei da Clara quando ela disse aquilo.

Quando o Doctor lhe entrega a chave, quando se apercebe de que está a voltar a ser o Doctor que conhecemos vemos aquela grande queda. É injusto e são estes momentos que marcam pontos nesta série.  Vemos a amizade que se criou aqui, rapidamente, sem mais demoras, apenas incitada pela curiosidade e pela aventura.

Bonecos de neve que querem fazer humanos de gelo, uma coisa não assim tão estranha tendo em conta o historial que já conhecemos. Mas no contexto que tudo isto leva torna-se tão assustador, tão capaz de tornar simples bonecos de neve em mais um dos monstros que podemos encontrar ao nosso lado e que nunca mais vão ser os mesmos. Uma família inteira a chorar no dia de Natal acaba por significar mais do que se poderia imaginar. Ver aquela Clara deitada, prestes a morrer é forte para quem já conhece a história, pior ainda com “Run! Run you clever boy … and remember!

O impacto desta rapariga começa a notar-se. Duas vezes vimos esta Clara na vida do Doctor. De ambas as vezes acabámos por vê-la morta. Aqui começa a nossa história da Impossible Girl. História que agora muitos querem ver a acabar nas proximidades. Apenas nos resta aguardar e ver.

A contagem decrescente começa a ficar mais emocionante à medida que nos aproximamos do fim desta temporada temática e do dia 25. Felizmente este ano conhecemos o Pai Natal, esperemos para ver o que ele nos põe no sapatinho.

Artigo da autoria de Júlia Pinheiro, membro da equipa Whoniverso