Heaven Sent - Review

03-12-2015 10:00

Um episódio perfeito. Não, não estou a brincar. Heaven Sent é um clássico instantâneo logo a partir dos primeiros minutos, mas quem acompanhar até ao fim descobre também uma história cativante, bem construída, com um final que nos obriga a rever tudo o que aconteceu até ali, uma das melhores interpretações de Capaldi enquanto Doctor, e uma série de conceitos tão bem conjugados que vão ser difíceis de superar.

Tudo começa com um Doctor furioso – o que por si só já é assustador – acabado de chegar do final do último episódio, depois da morte de Clara e da traição de Me/Ashildr. Encontra-se num castelo, que rapidamente descobre estar rodeado de água, e que é um autêntico labirinto, com secções inteiras do castelo a moverem-se a intervalos regulares, revelando novos quartos, corredores e secções. Muito à là Hogwarts, uma ligação que se acentua mais tendo em conta a rua escondida à là Diagon-Alley do último episódio, Face the Raven.

Para piorar as coisas, dentro desse castelo encontra-se uma criatura misteriosa e assustadora que persegue lentamente o Doctor, de uma forma inexorável normalmente associada a fenómenos naturais. Passo a passo, aconteça o acontecer, a perseguição nunca pára. Pode demorar horas, mas a criatura não precisa de descansar e nunca pára. O momento da captura é inevitável, e ver o Doctor a correr desesperadamente de uma ponta do castelo à outra, numa tentativa de ganhar o máximo de tempo e distância possível entre si e a criatura, é angustiante.

É que esta é uma daquelas raras situações em Doctor Who em que não há uma maneira óbvia de ganhar, uma noção que ganha mais intensidade ao aparecer no episódio imediatamente a seguir a um em que o Doctor perde.

(sim, já reparei que este episódio dá uma nova dimensão a Face the Raven, o que só prova o quão brilhantemente planeado e executado Heaven Sent foi)

Mas nada disso teria relevância se não fosse pelo excelente argumento de Steven Moffat e por todos os momentos em que Capaldi é, triunfalmente, o Doctor. No primeiro caso é preciso dizer que eu, como crítico de Moffat durante muito tempo, estou rendido. Teve uma altura mais fraca, é certo, mas parece ter aprendido com os erros e esta temporada tem vindo a debitar ideias e novas direcções para o programa que me surpreendem a cada episódio. No segundo caso, não há outra coisa a dizer para além de: Capaldi é um excelente actor, e se alguém ainda tiver dúvidas sobre a sua prestação, por favor que deixe de ver o programa.

Falemos das novas direcções para o programa que mencionei agora mesmo. Moffat tinha avisado que o Twelfth Doctor ia ser mais negro e menos simpático do que os antecessores, um contraste relevante relativamente ao palhacinho (no melhor sentido possível) que foi o Eleventh Doctor. A oitava temporada começou a trilhar esse aspecto da sua personalidade, sem dúvida, mas foi nesta temporada que isso ficou assente.

Já não estamos a ver um Doctor acabado de regenerar a tentar perceber que tipo de pessoa é agora, mas sim um Doctor perfeitamente confortável com aquilo em que se tornou, um Doctor que aprendeu a explorar a sua Humanidade com a ajuda de Clara, e um Doctor que já aceitou o seu papel no Universo.

É por isso que é relevante ver os papéis a serem invertidos no que toca ao desleixo de Clara e à sua nova atitude. Depois de passar uma temporada a aprender a ser como o Doctor, passa esta temporada activamente a explorar o que aprendeu. E isso acaba por, inevitavelmente, causar a sua morte. O que significa que é fácil para o Doctor encontrar culpas suas no desfecho da sua companion.

Esse peso emocional é explorado ao longo do episódio, tanto explicitamente, com o Doctor a assumi-lo em voz alta, como implicitamente, através da fúria que transparece de todas as fibras da personagem nos momentos iniciais. Capaldi excede-se de tal forma que nós, os espectadores, percebemos que aquelas ameaças a um inimigo invisível e desconhecido não são em vão, mas bem reais. Até nos deixa com vontade de que o Doctor nunca encontre esse inimigo, pois sabemos que a faceta que ele vai revelar nesse encontro provavelmente não nos vai agradar. É assim tão intenso.

Portanto tenho de dar os parabéns a Moffat, Capaldi e a Rachel Talalay, que dirigiu o episódio. Perdoem-me o inglês, mas they nailed every beat. E fizeram-no num episódio que se distancia tanto do tom das últimas temporadas de Doctor Who, que é de louvar. Se algumas pessoas estavam preocupadas com os novos contornos negros do programa, este episódio é o pináculo das suas preocupações. As implicações dos momentos finais são tremendas, reveladas passo a passo num crescendo de intensidade que não deixa nada a desejar.

E no final, o momento porque todos esperávamos. Vejam o episódio para descobrir, mas acho que toda a gente percebe o que é. Só espero que o próximo episódio corresponda às expectativas, porque este final de temporada tem potencial para ficar na história do programa de uma forma que muitos poucos episódios alguma vez o conseguiram.

 

Artigo da autoria de Rui Bastos, membro da equipa Whoniverso