O Master

08-11-2014 12:21

Desde a era do fantástico Jon Pertwee como Third Doctor, que é obrigatório falar do Master enquanto vilão. As várias encarnações deste Time Lord renegado sempre tiveram uma relação no mínimo peculiar com as várias encarnações do Doctor, uma espécie de rivalidade respeitosa entre dois génios com moralidades opostas.

É claro que a tendência do Master para as actividades maléficas nunca caiu muito bem com o Doctor, mas chegaram a ser amigos, durante a juventude, e existem vários momentos que comprovam a admiração mútua que sentiam um pelo outro – ainda que não pelos actos um do outro.

As várias tentativas do Master em matar o Doctor talvez também tenham qualquer coisa a ver com a estranha relação entre os dois, mas isso são pormenores.

Tendo em contas as revelações do último episódio, Dark Water, e sabe-se lá mais o quê ainda hoje em Death in Heaven, o final desta temporada promete. E com a Missy a dizer, final e explicitamente, que é a nova encarnação do Master, faz sentido conhecer um pouco melhor a história desta personagem, principalmente as suas anteriores encarnações.

O que dizer do original? Poucos são os actores capazes de interpretar uma personagem assustadora de forma tão convincente como Delgado esteve no papel do Master. Muito parecido ao Third Doctor, de quem foi o principal antagonista, este Master era arrogante, carismático e essencialmente um homem de acção.

A única diferença verdadeiramente relevante em relação ao Doctor de Pertwee era mesmo o gosto que tinha em ser maléfico. De coração frio e mente acutilante, este Master tinha classe, mas o olhar penetrante não deixava margem para dúvidas: não se ponham no caminho dele.

No entanto foi também um Master que trabalhou algumas vezes em conjunto com o Doctor, quando isso os beneficiava a ambos – ou quando ambos estavam em perigo – e foi durante essas ocasiões que se viu como ambos funcionavam bem juntos. Podiam ser rivais mortais, mas eram cavalheiros, e sentiam, sem sombra de dúvida, um prazer perverso em enfrentarem-se um ao outro. Afinal, eram os únicos à altura!

A trágica morta de Delgado durante as filmagens de um filme impossibilitaram a última aparição que era suposto ter feito, mas a sua fantástica interpretação criou um vilão cuja presença se perpetuou até aos dias de hoje.

Corpo decadente e uma evolução significativa, tendo em conta as poucas aparições, fazem desta versão uma das mais interessantes. Numa primeira fase, este Master é interpretado por Peter Pratt, que fez a personagem perder muito do charme de Delgado, substituindo-o pelo desespero de estar no fim do seu ciclo de regenerações.

Nunca o ódio esteve tão patente nesta personagem, nem o descontrolo, tudo em troca de alguma oportunidade de continuar vivo.

Mais tarde foi a vez de Geoffrey Beevers representar esta encarnação, em grande parte graças à sua voz incrivelmente malévola. Conseguiu dar continuidade a Peter Pratt, acalmar alguma da sua ferocidade e, ao mesmo tempo, demonstrar um apetite pelo Mal que fez dele uma das versões mais assustadoras do Master.

Os seus planos tornaram-se mais cruéis, e a sua personalidade deliciava-se mais que nunca em assistir ao caos que provocava, fazendo desta uma encarnação marcante, apesar do pouco tempo de antena a que teve direito.

Depois da sua forma mais decadente, o Master regressou em grande, com Anthony Ainley a fazer um papel impecável em todas as histórias em que apareceu, em confrontos memoráveis com o Fourth, o Fifth, o Sixth e o Seventh (!) Doctors.

Todos os relatos da altura dizem que Ainley adorava o papel, chegando mesmo a apresentar-se ao telefone como Master, antes de começar a rir.

A verdade é que foi com ele que este antagonista voltou a ter aparições regulares e a estar envolvido em enredos mais complicados – frequentemente por culpa dos seus esquemas.

Menos imponente que Delgado e menos assustador que Pratt e Beevers, Ainley conseguiu ainda assim mostrar uma personalidade malévola impressionante que em nada ficou atrás à dos seus antecessores.

Com o hiato da série nos anos 90, foi preciso tentar recuperar a legião de fãs, e ainda angariar novas pessoas. Foi assim que nasceu o filme, parcialmente americano, que até muito recentemente era a única aparição do Eight Doctor, de Paul McGann.

O mais fácil foi trazer o Master de volta, sob uma nova forma, desta vez Eric Roberts, que se revelou como uma das encarnações mais melodramáticas deste vilão.

No entanto, e apesar da aparente calma que se viu na representação de Roberts, este Master foi novamente um Master desesperado, à beira da morte, que sobrevive como um ser transmorfo bastante peculiar, apoderando-se do corpo de um paramédico.

É fácil de perceber o porquê desta encarnação se sentir verdadeiramente desesperada e capaz de fazer qualquer coisa para sobreviver, pois estava em risco de desaparecer depois de já ter, por uma vez, chegado ao limite das suas regenerações. Tão desesperado que os seus esquemas malévolos não correm como era de esperar, e assim acabam as aparições do Master na série clássica, com uma encarnação desesperada e suspostamente aprisionada no Eye of Harmony da Tardis.

Esperaram-se 11 anos desde a última aparição, passaram-se mais de duas temporadas da nova era, mas finalmente apareceu! Agora sob a sua sexta forma, como Derek Jacobi, o Master volta em Utopia, um episódio onde pequenos pormenores foram fazendo suspeitar que outro Time Lord por ali andava.

Depois da Time War o Doctor julgava-se sozinho até que um velho – muito velho – amigo lhe deixa uma mensagem: “You Are Not Alone.”. Afinal há, pelo menos, mais um Time Lord. Pelas maravilhas do Chameleon Arch, usado também pelo Doctor contra a Family of Blood, durante a guerra o Master escondeu-se e há a sua origem no meio dos humanos como Professor Yana. Tendo sido trazido de volta para combater, acreditando-se que seria o soldado ideal, acabou por fugir e  permaneceu nesta condição humana até encontrar novamente o Doctor e reabrir o relógio com a sua essência Time Lord.

Embora não estivesse completamente ciente de quem era ou de quais os seus propósitos o intelecto e os princípios mantiveram-se fieis ao dono e este Professor Yana aguardava apenas o momento certo para voltar à sua insanidade completa e mais uma vez tentar exterminar os humanos.

Mas no fim a adorável Chantho é capaz de vingar a sua morte provocando mais um regeneração naquele corpo abrindo lugar para o grande John Simm dar corpo e alma ao Master, e de forma absolutamente genial.

Trazer de volta o grande inimigo, membro da mesma raça, supostamente os últimos da sua espécie, abre caminho para novas aventuras, mais um reencontro da séria nova com a antiga fazendo com que a trama se adense e fique ainda mais interessante.

Mas nesta encarnação o Master aparece-nos como primeiro ministro, determinado em eliminar a raça humana e o Doctor, claro. E tanta coisa acontece: temos um corpo danificado a intercalar entre esqueleto e carne, um exército de clones de Master por todo o lado, uma laser screwdriver, o som de tambores, um Doctor a envelhecer numa pequena gaiola, … Parece que de tudo acontece. A loucura é levada ao extremo, alguma justificada outra não, dando-nos uma personagem brilhantemente construída e interpretada, capaz de ser ao mesmo tempo terrorífica e fascinante.

E Moffat bem que se fartou de dizer que não, não iria trazer de volta o Master. Para quê? O trabalho de T. Davies tinha sido tão bom. Mas se há coisa em que Moffat e Doctor não falham é na regra número 1: “The Doctor / Moffat lies!”, e nós nunca nos podemos esquecer disso.

Prova mais que provada é que voltou e se se queria surpresa, surpresa se teve: volta na forma de mulher mas não sem o ar enlouquecido e de alguma forma engraçado que já tínhamos visto com John Simm.

E depois de tanta polémica em torno de quem seria aquela personagem misteriosa que recebe os mortos como namorada do Doctor, as teorias desenterradas desde os episódios de 1963 e tudo para chegarmos à solução mais óbvia, e por isso mesmo a menos esperada: a Missy é mesmo o Master!

Já sabemos que mais uma vez este Master/Missy não vem sozinho. As imagens de Cybermen a sair de St. Pauls Cathedral não enganam e os planos para a raça humana ser levada a um outro nível parecem estar em marcha.

Quão delirante continua o Master, agora que é uma mulher? Já a vimos aos beijos ao Doctor. Ela tratava o Doctor por namorado. Foi ela quem deu o número da TARDIS à Clara. Quais os próximos planos? Como é que o Doctor conseguirá salvar mais uma vez o povo da Terra?

O certo é que a Missy apareceu, calma e manipuladora, com um plano bem delineado e a trazer de volta os mortos. Para sabermos o que mais o Master, perdão, a Missy nos trará, temos mesmo de deixar a sorte nas mãos do Moffat.

Artigo da autoria de Rui Bastos e Júlia Pinheiro