TARDIS sob controlo

03-11-2014 18:03

Basta seguir algumas das primeiras aventuras do Doctor para perceber que o seu controlo sob a Tardis sempre foi muito duvidoso. Logo na primeira história, há mais de cinquenta anos atrás, The Unearthly Child, o Doctor e a sua neta Susan ficam muito surpreendidos quando a Tardis não se dissimula na paisagem pré-histórica, mantendo a sua forma de cabine telefónica azul que todos conhecemos.

A partir daí foi o descalabro. Peças defeituosas da Tardis eram um dos motivos mais recorrentes para o Doctor e os seus companions ficarem presos numa determinada época, num determinado sítio, durante tempo suficiente para terem que viver algumas aventuras.

As viagens eram normalmente bastante turbulentas (como já esperamos que seja!) e raramente terminavam onde o Doctor queria que terminassem. De tal forma que em The Chase, Ian e Barbara não hesitam em aproveitar-se de uma nave Dalek para conseguirem viajar de volta ao seu tempo.

Até uma nave Dalek era mais de confiança do que a Tardis. Isto continuou durante toda a vida do First Doctor e eventualmente transmitiu-se ao Second Doctor, mas com o Third Doctor exilado e sem acesso à Tardis, este pormenor bastante útil para o enredo perdeu-se por completo durante uns tempos.

Mas no entanto, quando o Doctor voltou a pilotar a Tardis, ainda na época de Jon Pertwee, e durante o resto de Classic Who, o seu controlo foi melhorando de episódio para episódio e de Doctor para Doctor, só piorando quando ele, propositadamente, instalou um Randomizer, que obrigava a Tardis a materializar-se num sítio e numa época completamente aleatórios – tudo para fugir a um inimigo particularmente desagradável.

Mesmo isso foi esquecido e, eventualmente, destruído. Só com o regresso da série, em 2005, é que se voltou a ver um Doctor com verdadeiras dificuldades em controlar a Tardis, com frequentes falhas em controlar a viagem, aterragem, a época e o sítio.

Eventualmente surgiu uma explicação, em Journey's End, pela voz do Tenth Doctor: as Tardis são concebidas para serem pilotadas por seis pessoas. Claro que o Doctor, por muito que corresse e se esticasse, nunca a conseguia controlar como deve ser!

Mas de vez em quando conseguia. E a enigmática River Song também o conseguiu fazer, mais do que uma vez, até conseguindo eliminar o característico barulho da Tardis – aparentemente causado pelos travões que o Doctor nunca desligava.

No meio disto tudo, a revelação que confunde tudo, em The Doctor's Wife: a Tardis ganha temporariamente um corpo humano, e explica ao Doctor que raramente o leva onde ele quer porque normalmente o leva onde ele precisa de ir.

Sempre houve rumores de que a Tardis tinha uma mente individual, ainda que demasiado vasta para a compreendermos, e que isso era uma das principais causas para os problemas do Doctor em controlar a sua nave. Esta revelação pareceu confirmar isso mesmo e deixar tudo resolvido!

Só que... O Eleventh Doctor demonstrou várias vezes ter pleno controlo dos voos da Tardis, e o Twelfth Doctor ainda não teve um único problema, aterrando sempre no sítio e tempo exactos, sem tremer nem abanar por todo o lado.

O que se passa aqui, afinal? Bem, eu de momento tenho três explicações:

·         É conforme der jeito ao enredo;

·         Tem a ver com a evolução do Doctor;

·         Passa-se algo com a Tardis.

A primeira opção é bastante simples e talvez a mais provável. Não há propriamente uma preocupação com isso, é mais um caso de “agora precisamos que ele aterre naquele lugar exacto para conseguir cumprir o seu plano super complicado” e então acontece isso mesmo, para depois “bem, esta aventura está resolvida, não há problemas, e que tal isto agora dar asneira?” e então acontece isso mesmo.

Já para não falar de que já se tornou uma parte essencial do programa e da personagem. É uma das coisas que identificamos logo com Doctor Who: uma Tardis fora de controlo.

Mas e se não for assim? E se o controlo da Tardis depender exclusivamente do Doctor? Se pensarmos bem nisso, tanto o First como o Second Doctor eram relativamente jovens e viveram vidas atribuladas. É normal que tenham tido problemas em controlar a Tardis.

O Third Doctor, por outro lado, esteve bastante tempo preso na Terra, e quando voltou a viajar na sua velha amiga, eram os Time Lords que a controlavam. Será assim tão difícil de imaginar que durante essas viagens ele tenha de facto aprendido alguns truques? E claro que uma encarnação tão elegante não se podia dar ao luxo de andar aos encontrões pelo tempo e o espaço!

A partir daqui tudo se explica com a experiência acumulada: o Doctor começou a contar vários séculos de existência e de experiência a voar a Tardis, tornando-se um Time Lord cada vez mais controlado.

É então que chega a Time War. O grande trauma do Doctor, que a viveu enquanto Eight Doctor e War Doctor, e de cujas viagens sabemos muito pouco. Mas o Ninth Doctor, a encarnação seguinte, sempre teve problemas, apesar da sua idade a roçar (ou a ultrapassar? Já nem ele deve saber muito bem) os mil anos.

Faz sentido! Não há melhor descrição possível para esta encarnação do que “soldado traumatizado”, sendo que o trauma é saber que exterminou por completo a sua própria raça para acabar uma das maiores guerras de sempre. É justificável que esteja mentalmente abalado, explicando assim o constante abanar da Tardis.

Por outro lado, com o Eleventh Doctor, a Tardis não podia ser mais aleatória e desgovernada, com pequenos momentos extremamente focados apenas quando era mesmo preciso. Tal e qual como essa encarnação do Doctor.

Isto explicaria o controlo que o Twelfth Doctor parece ter sobre a sua nave. Sendo um Doctor bem mais velho que todos os outros e sem paciência para palhaçadas, faz da Tardis o que quer. Acabaram-se os séculos de correria desenfreada. Ainda por cima, desde The Day of the Doctor que tem um propósito: encontrar Gallifrey. Acabaram os séculos sem destino!

Mas e o que dizer da minha terceira hipótese? Confesso que uma das hipóteses que mais gostei de ouvir sobre a Missy, foi a de que ela era, de alguma forma a Tardis. Encaixava na perfeição: ela referir-se ao Doctor como o namorado dela, ela conseguir salvar as pessoas como andava a salvar, a Tardis já não ter problemas com a Clara, o controlo quase total que a encarnação de Peter Capaldi tem sobre ela... Era perfeito.

Só que já estamos no fim da temporada, e Missy já revelou a sua identidade em Dark Water. Podemos descartar esta hipótese, por mais interessante que ela fosse. Não fico chateado, a hipótese de que o comportamento da Tardis é tão simplesmente um reflexo do comportamento do Doctor agrada-me bastante. Dá um estranho toque de simetria à relação que ambos têm um com o outro.

A grande questão parece-me que é “Durante quanto tempo vai isto durar?”. Sejamos honestos, ninguém imagina que o Doctor vá simplesmente passar a controlar a Tardis tão bem como tem andado a fazer, pois não? E tendo em conta a revelação de que a Missy é o Master e o caminho que a Clara parece estar a seguir, não me parece impossível que o Twelfth Doctor vá enlouquecer, de forma mais literal que os seus antecessores.

Uma encarnação que já não devia existir, com uma personalidade semelhante à de alguém com Síndrome de Asperger, a ter que lidar com as acções da Clara nos últimos episódios, o regresso do Master e mais um plano maléfico, e ainda, muito possivelmente, o reencontro com Gallifrey?

Algo me diz que a próxima regeneração não vai ser pacífica, nem nada que se pareça com o espectáculo de luz e artilharia que foi a última. Vai ser um momento depressivo, perturbador, de um Doctor diminuído e desiludido consigo próprio e com tudo o que o rodeia... Pior, imaginem o que era isto tudo, mas com Clara a morrer para o salvar.

Isso sim, poderia despoletar qualquer coisa. Talvez um Doctor a ceder voluntariamente a vez à próxima regeneração, por saber que, de certa forma, falhou? Acho que gostava de ver o programa a seguir esta direcção mais pesada, mesmo que de forma mais suave, mas só o tempo – e o Moffat – o dirá.

Artigo da autoria de Rui Bastos, membro da equipa Whoniverso