"The Three Doctors" - Um elogio

08-02-2016 11:57

 

Ver episódios antigos de Doctor Who é uma das coisas que me entretém durante largos períodos do ano. Com apenas treze ou catorze novos episódios por ano, alimentar a minha obsessão saudável com esta série (que um dia explico melhor) é complicado. Felizmente tenho disponíveis centenas e centenas e centenas de episódios da série clássica, com um total de oito Doctors criados e interpretados entre 1963 e 1996. Isto são trinta e três anos de episódios de forma quase contínua, uma autêntica benção para as pessoas como eu!

Desde que comecei a gastar horas em episódios da série clássica que descobri coisas verdadeiramente assombrosas. O First Doctor, por exemplo, interpretado por William Hartnell, era um actor excepcional que conseguiu, apesar de algumas falhas de qualidade, tornar seu um papel que inicialmente não queria. O Second Doctor, Patrick Troughton, foi outro actor excepcional que agarrou no trabalho de Hartnell e o virou de pernas para o ar, redefinindo a personagem na altura em que era mais preciso - e efectivamente transformado o Doctor naquilo que ele é hoje.

 

O Third Doctor, Jon Pertwee, não lhes ficou atrás. Ainda me falta ver a sua última temporada, mas a sua postura de homem de acção, pacifista e extraordinário diplomata é diferente dos seus antecessores mas, em essência, exactamente a mesma coisa.

Não sei se é um preconceito cultural, imposto pela imersão que tenho no universo whoviano, mas pelo menos estes três actores (e os que conheço da série nova) conseguiram o impensável: interpretam três personagens claramente muito diferentes, deixando ao mesmo tempo muito claro que são exactamente a mesma personagem. É extraordinário ver qualquer episódio e reconhecer, acima de tudo, o Doctor.

Mas além disto, e de outras personagens extraordinárias (o Master de Roger Delgado merece um artigo só seu, daqui a uns tempos), descobri episódios que mesmo com efeitos especiais que parecem ter sido feitos na garagem do meu avô, com o que quer que estivesse à mão de semear, se aguentam em termos de qualidade e intensidade com alguns dos melhores episódios produzidos desde 2005, e que já tiveram, obviamente, condições muito superiores.

 

Um desses conjuntos de episódios é The Three Doctors, a primeira história da décima temporada de Doctor Who, a quarta com Jon Pertwee ao leme, a terceira a contar com Jo Grant como companion, e a última a contar com Roger Delgado no papel de Master. Esta temporada revelou-se excelente, com história de qualidade atrás de história de qualidade, todos os actores no seu melhor, narrativas bem construídas e desfechos interessantes, ainda que ligeiramente apressados e, bem, palermas. Mas estamos a falar de Doctor Who, palerma é um adjectivo que a série activamente cultiva, que lhe assenta bem e que só incomoda quem nunca tiver visto um episódio. É caso para dizer que não é defeito, é feitio.

E The Three Doctors também tem os seus elementos palermas, que não são particularmente relevantes. A minha excitação para estes quatro episódios era gigantesca. Já lá vão anos a acompanhar a série, a começar pelo Ninth Doctor de Christopher Eccleston, portanto assistir a estes episódios equivalia a ver História a ser feita! O primeiro exemplo palpável da série, e da personagem principal, a tornar-se auto-consciente da sua própria estrutura.

Em The Three Doctors, e como o nome sugere, o Doctor encontra o Doctor e o Doctor, e os três trabalham juntos para derrotarem o grande vilão, Omega. Se isto não é um colapso narrativo meta-ficcional usado deliberadamente a favor da história, não sei o que será! Desde a primeira regeneração que há simpáticas menções à mudança de cara que a personagem entretanto já sofreu duas vezes, e até existem várias personagens que já interagiram com mais do que uma encarnação, mas nunca antes foi possível ver mais do que um Doctor em cena, ao mesmo tempo.

 

É assim que se mostram as possibilidades de uma série com as características de Doctor Who: três actores diferentes a interpretar a mesma personagem falam uns com os outros e ajudam-se mutuamente para derrotarem um inimigo super-poderoso que criou o seu próprio Universo. E a melhor parte? Tudo é excepcional!

O vilão não é o típico vilão, mas sim uma personagem à semelhança do Master, até este momento apenas interpretado por Roger Delgado. Ambos são loucos, sem sombra de dúvida, mas mentalmente sãos, na medida em que estão perfeitamente conscientes dessa loucura megalómana que faz com que um se ponha no papel de um deus, e que o outro tente frequentemente tornar-se imperador da Terra, da galáxia ou do Universo. Recorrem aos métodos que forem precisos, com perfeita noção daquilo que estão a fazer e sempre tranquilos com isso.

Mas como não podia deixar de ser, é o Doctor... perdão, são os Doctors que brilham. William Hartnell, já bastante debilitado, não podia andar a saltitar pelo cenário, portanto ficou remetido a um papel mais discreto, preso num time eddy, a desculpa perfeita para ficar sentado em estúdio a ler as falas de cartões dispostos fora de cena. Ficamos “limitados” a ver Troughton e Pertwee a interagirem... E é genial!

 

É aqui que começa a tradição de várias encarnações do Doctor terem a típica relação de irmãos. Gozam um com o outro quase constantemente, mas dão-se bem e esforçam-se ao máximo para se ajudarem um ao outro. Sem ter visto todos os episódios de múltiplos Doctors, suspeito que é o que acontece em todos os eles. O resultado é simplesmente fantástico, e tanto o Second como o Third Doctor conseguem manter-se fiéis a eles próprios enquanto deambulam pela história, incapazes de não se meterem um com o outro, mas também determinados a salvar o dia, aconteça o que acontecer.

No final fica tudo bem, como é óbvio, e é preciso dar mérito a todas as pessoas responsáveis por estes quatro episódios. Se The Three Doctors não foi um excelente exemplo de boa televisão e de excelente Doctor Who, não sei o que poderá ter sido!

 

Artigo da autoria de Rui Bastos, membro da equipa Whoniverso