Uma análise da oitava temporada II

11-01-2015 14:46

Nesta segunda e última parte da minha análise da oitava temporada, a primeira de Peter Capaldi, continuo a falar sobre os episódios que faltam, sempre de um ponto de vista pessoal. Tento não ser demasiado parcial, mas que fique bem expresso que tanto este texto, como o anterior, são opiniões.

Sem mais demoras, avancemos para o segundo bloco de cinco episódios, e depois falemos do grande final em duas partes, com o há muito desejado regresso de um dos principais vilões da série. Para concluir, uma pequena revisitação do especial de Natal, continuação directa da temporada, mas a fazer a ponte para a próxima!

 

O desenvolvimento

Os cinco episódios depois de Time Heist são obviamente as consequências lógicas do Doctor e da Clara que nos são apresentados na primeira parte da temporada. O romance com Danny Pink é mais do que oficial, e relativamente bem construído, embora não tenha grande relevância para além de forçar o ex-soldado arrependido a enfrentar o Doctor-sargento.

Esse confronto tem um dos seus pontos mais importantes exactamente em The Caretaker, quando o Doctor se infiltra na escola de Clara e causa mais problemas do que outra coisa, num episódio com um enredo que não faz muito sentido, já que o Doctor tem um plano que envolve pôr em risco centenas de crianças.

O nervosismo de Clara, no entanto, que tem de balançar a sua relação, com o seu trabalho, e com a sua vida de companion, pela primeira vez ao mesmo tempo, no mesmo sítio, é mais do que muito e faz dela uma personagem irritante, que pouco ou nada se cala e pouco ou nada diz de jeito.

Exactamente ao contrário daquilo que acontece no episódio seguinte, Kill the Moon, em que o Doctor deixa tudo nas mãos de Clara, por um lado confiante na sua Humanidade – ou falta dela, verdade seja dita – e por outro com a certeza daquilo que vai acontecer.

É um dos momentos mais gritantemente diferentes daquilo que a estávamos habituados com Matt Smith, sempre a correr para salvar toda a gente. O Doctor de Capaldi não só conhece o termo “perdas aceitáveis”, algo bem notório em Into the Dalek, como no momento mais decisivo de todo o episódio simplesmente desaparece dizendo que não é nada com ele.

Impressionante, mas não tanto como os dois episódios seguintes, na minha opinião. Em Mummy on the Orient Express e em Flatline, quem brilha é Clara, cada vez mais parecida com o Doctor e capaz de mentir e aldrabar sem grandes remorsos, tal como sempre odiou que o Doctor fizesse. Esta evolução é de tal forma acentuada que no final de Flatline é o Doctor que lhe diz que talvez isso não seja muito bom.

Clara é apanhada desprevenida e fica sem saber o que dizer. É um choque completo. Finalmente começa a percebê-lo, a compreendê-lo e a aceitar os seus novos métodos, e ele diz-lhe simplesmente que ela não está a agir bem. Como ela lhe tinha dito sempre. Uma inversão de papéis das mais curiosas que já vi, escrita de forma bastante eficaz.

Os fãs deram conta de tudo isto, e as críticas começaram a chover. Uns diziam que estavam fartos da Clara e da sua proeminência nos episódios, outros que o programa se devia chamar Clara Who, e que o Doctor estava a ser completamente ignorado... A minha opinião sempre foi um meio termo. Se por um lado, me fartei da Clara, por outro acho que a importância que teve faz todo o sentido. Em cinquenta anos de viagens na Tardis, Doctor Who raramente foi sobre o Doctor, que tem muitas vezes um papel mais secundário do que outra coisa.

Aliás, mesmo na era Matt Smith, em que a personagem teve mais destaque do que nunca, quanto mais o Doctor era o ponto central do enredo, mais secundário era o seu papel no desenrolar da narrativa. O único episódio de que me lembro que se possa dizer distintamente que é sobre o Doctor é o especial de aniversário, The Day of the Doctor. Tirando isso há alguns momentos noutros episódios, como a despedida do Tenth Doctor, a segunda metade de The Time of the Doctor e grande parte de Deep Breath, mas a estrela é invariavelmente o(s)/a(s) companion(s).

Representam-nos a nós, a audiência, e a Clara é das que tem mais momentos disso mesmo, mas são quase sempre mais protagonistas do que o Doctor. Na série clássica há episódios inteiros em que o Doctor não aparece, e a história avança sem problemas. É sem dúvida a personagem central de toda a série, mas não é de facto o protagonista indiscutível!

Mas bem, dos episódios negros e duros que foram Mummy on the Orient Express e Flatline, passamos para In the Forest of the Night. Todo o episódio tresanda a Eleventh Doctor, e embora seja verdade que o sense of wonder é dos mais acentuados desde o início da temporada, o episódio não me convenceu minimamente. É um tipo de história que pura e simplesmente não assenta bem no Twelfth Doctor, que parecia estar a tentar lembrar-se de como devia agir.

Um momento infeliz e um episódio sem importância que serviu apenas para preencher espaço entre os episódios importantes e o clímax da oitava temporada. Fiquei honestamente desiludido, até porque foi dos episódios em que Danny mais apareceu, o que podia ter sido óptimo. A personagem podia finalmente ter a projecção que merecia e um desenvolvimento decente mas... não.

O clímax

Depois de dez bons episódios, pelo menos no geral, chegou a altura de terminar a temporada com um final em duas partes que prometia ser muito bom. As promessas eram muitas, e o desvendar da identidade de Missy foi das coisas que mais ansiedade causou nos fãs, nos últimos tempos.

A estrutura da temporada conspirou para concentrar todas as atenções nestes dois episódios. Tinha sido fácil toda a temporada ter ficado demasiado dependente deste final, mas aqui dou a mão à palmatória e confesso que Moffat e companhia conseguiram evitar bem o problema. Quase todos os episódios valem por si só, mas são consistentes e coerentes uns com os outros. Ou seja, estes dois episódios finais, Dark Water e Death in Heaven, desde sempre que prometeram que iam ser bons, mas se não fossem, ou se não fossem assim tão bons, não havia problema: continuaria a ser uma boa temporada.

Essa questão não se pôs, apesar de tudo. Lembro-me de estar a ver o Dark Water completamente vidrado e verdadeiramente impressionado por um argumento escrito por Steven Moffat. Pela primeira vez em muito tempo!

Tudo nesse episódio está bem feito. Os Cybermen estão assustadores, a revelação de que a Missy é a nova encarnação do Master está qualquer coisa de especial, o momento inicial, com a morte de Danny, é dramático e um excelente seguimento para o momento altamente intenso em que a Clara tenta forçar o Doctor a ajudá-la.

O ritmo do episódio, as revelações, a evolução da Clara e do próprio Doctor, a interacção de ambos com Missy... Fantástico, tudo fantástico! O Doctor mostra-se mais preocupado com a sua companion do que aquilo que ela própria achava, mas ela também se mostra mais implacável e manipuladora do que seria de esperar.

É interessante de acompanhar e deixa algumas coisas em aberto para o segundo episódio, Death in Heaven, o último da temporada. Que infelizmente é meramente mediano. Consegue matar uma das personagens favoritas dos fãs, Osgood, depois de ser convidada pelo Doctor a viajar na Tardis – e que companion que seria! - mostrar o quão inúteis são os Cybermen, que perdem toda a pujança do episódio anterior, e ainda ter um final a dois tempos que deixa muito a desejar.

Numa primeira fase há a conclusão do plano de Missy, de que gostei muito: o exército de Cybermen que ela reuniu são para oferecer ao Doctor, concluindo assim o mini-arco narrativo do sargento sem exército em que esta encarnação se tornou, e ao mesmo tempo dando uma resposta definitiva a “am I a good man?”: nem bom, nem mau, nem herói nem nada que se pareça, ele é “an idiot, with a box and a screwdriver, passing through, helping out, learning”. Uma frase que resume a essência do Doctor, e a confirmação, após doze episódios, de que o Doctor número doze – toparam? – ainda é, de facto, o Doctor de sempre.

A forma como tudo se resolve, faz-me comichão. É mais uma daquelas situações em que o poder do amor resolve tudo, à là Harry Potter. Haja paciência, mas se a J.K.Rowling nunca me convenceu com essa, não vai ser agora o Moffat. E achei um desperdício que depois de tanta coisa, tudo se tenha resolvido de forma tão simples. Acabou-se a ameaça do exército de Cybermen (mas agora não há um único corpo enterrado...), assim como, aparentemente, a da Missy e o miúdo que o Danny matou na guerra está de volta. Ta da!

A segunda fase envolve a despedida emocional e desonesta do Doctor e da Clara, ambos incapazes de dizer a verdade um ao outro – que o Danny está morto, e que Gallifrey não está onde a Missy disse que estava – supostamente pelo bem um do outro, mas que apenas mostra a relação dos dois tem uma má fundação, uma que os deixa mentir com todos os dentes que têm, para não darem problemas. O resultado é um abraço, algumas lágrimas, uma separação ao engano e a fúria de muitos fãs, que deviam aprender que esta conclusão faz sentido e era de certa forma previsível!

E agora?

Foi assim o corpo principal da temporada, que teve uma pequena continuação em Last Christmas, episódio já bastante esmiuçado num artigo anterior e que não vale a pena revisitar demasiado.

Basta apenas reparar em como o Twelfth Doctor está diferente. Genuinamente preocupado com Clara, só fica aliviado quando acorda do seu último sonho e dá de caras com uma Clara jovem. E o que dizer do seu ar feliz e satisfeito a guiar o trenó do Pai Natal? É das poucas vezes em que é o Doctor a representar a audiência, e não a Clara. Quem é que nunca quis guiar o trenó do Pai Natal?

Mas este episódio com várias camadas serve como reconciliação para estas duas personagens, e também para que ambos se vejam a si próprios de uma perspectiva diferente. Os elementos sonhados, especialmente o Pai Natal sardónico, são ao mesmo tempo um ponto final muito definitivo na fantasia de contos de fadas da era do Eleventh Doctor, e um sinal de que ainda há fantasia neste Doctor.

O que é que isto significa, para o futuro? Só o Moffat o sabe. O primeiro episódio da nona temporada chama-se The Magician's Apprentice, e ainda não se sabe nada, mas uma coisa é certa: acabou-se a evolução incerta, a próxima temporada vai contar com um Twelfth Doctor perfeitamente definido e seguro de si próprio, de quem é, e de qual é a sua relação com Clara.

Tenho a certeza que esta confiança e segurança da personagem vai permitir a Peter Capaldi brilhar ainda mais do que o normal e exterminar por completo as dúvidas de alguns fãs quanto a este novo Doctor.

Artigo da autoria de Rui Bastos, membro da equipa Whoniverso